quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Estamos a formar ou a formatar? @ Francisco Fardilha


Não raras vezes ouvimos o discurso da importância da formação enquanto base para as equipas séniores. Da importância da formação não só desportiva como pessoal e social. Da necessidade de contar com os melhores treinadores nos escalões mais jovens.
Mas sabemos que da teoria à prática vai, normalmente, uma grande distância e que muitos são os clubes que olham para as suas academias ou escolinhas mais como fontes de rendimento para garantir a sustentabilidade dos escalões superiores do que como um verdadeiro pilar justificador da sua existência.
Ora, essa visão redutora faz com que o tempo dedicado à idealização e planificação do trabalho – definição da filosofia de jogo, escolha da(s) metodologia(s) capaz(es) de a(s) operacionalizar, etc. - que se faz na formação seja em larga medida insuficiente, o que leva, por exemplo, a alguns erros de casting na escolha de treinadores e directores. A ideia de «melhores treinadores» é bem mais complexa do que à primeira vista pode parecer, uma vez que há técnicos com um perfil de maior aptidão para trabalhar com equipas séniores e outros com maior capacidade para lidar e compreender os e as mais pequenas.
Também o recrutamento é outra questão fundamental para quem trabalha na formação. Há, por esse País fora, inúmeros meninos e meninas com potencial para virem a ser bons jogadores e jogadoras de futsal. Há, por esse País fora, inúmeros torneios e competições de desporto escolar, torneios de colectividades, jogos concelhios, etc. O que não há, muitas vezes, é paciência e disponibilidade dos membros dos clubes para, primeiro, sacrificarem fins de tarde ou sábados de manhã em «missões de observação» e, depois, gastarem o tempo necessário a ensinar-lhes o Jogo, assim como as regras inerentes ao funcionamento de um grupo.
Além de todos estes itens, outro surge (ou deveria surgir) enquanto grande problema/dúvida a merecer a atenção de treinadores e dirigentes: como formar? Que conteúdos ensinar? De que forma?
Não se estará, muitas vezes, a formatar os jovens jogadores em vez de os formar? Ensinam-se sistemas tácticos – 2:2, 3:1, 4:0 -, ensina-se defesa zona, individual, mista. Ensina-se passe e recepção, movimentações. E castra-se o lado de «bons selvagens», o lado criativo e sonhador que muitos dos mais petizes, na sua doce inocência, carregam nos pés...e, acima de tudo, na cabeça. Mas depois todos falam do Falcão, do Ricardinho, do Cristiano Ronaldo e afins.
É muito mais complicado planificar treinos de uma forma aberta, promovendo a tomada de decisão, do que insistir na aplicação de receitas – leia-se exercícios – que as equipas séniores – e as da 1ª divisão e as espanholas e as selecções... - também fazem, como se isso fosse uma prova cabal de desenvolvimento e competência.
Se o jogo é imprevisível, se foge a padrões estandartizados, se é não-linear, como podemos procurar ensinar receitas? Isto aplica-se a todo o treino de jogos desportivos colectivos, mas aplica-se com especial prioridade à formação, já que me parece absolutamente essencial que nos foquemos em promover a capacidade de resolução de problemas através da potencialização das características únicas e diferenciadoras dos nossos jogadores, do que indicar-lhes continuamente uma única via ou perspectiva. Isto tendo sempre em atenção os estádios de desenvolvimento de cada um – e as diferenças inerentes a cada género – ao mesmo tempo que se procura uma organização que respeite determinados princípios, construtores de uma identidade, de um jogar específico.
Ainda assim, não podemos esquecer que a capacidade de aprendizagem tem diferentes ritmos dentro de um mesmo grupo. É prioritária a compreensão da necessidade de se trilhar aquilo que José Mourinho apelida de «descoberta guiada».
Em suma, formar sem formatar é um enorme desafio. Complexo porque implica grandes dispêndios de tempo em reflexão, aprendizagem, operacionalização e avaliação. Mas se queremos efectivamente evoluir; se queremos ser cada vez mais competentes e competitivos; se queremos vir a tornar-nos sólidas referências no panorama futsalístico mundial, não podemos continuar a refugiar-nos em discursos batidos, que de tão repetidos deixam de ser levados a sério. Devemos sim, perceber a necessidade de olharmos para estas temáticas com outros olhos - mais sérios e responsáveis - e perceber que, quem está na formação, tem o poder de criar um bom ou mau futuro para o nosso futsal. De formar formatando, ou de formar promovendo o talento e levando às nossas quadras a magia de que tanto gostamos.

Francisco Fardilha - www.5x4.eu

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